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Resistência & Insurreição
A pegada de carbono é uma suposta medida universal do impacto no ambiente com foco na actividade e consumo pessoal. E esta definição acarreta um mundo de implicações às costas.
Apesar de oficialmente a pegada de carbono (PC) poder ser aplicada a nível de indústrias, estados-nações ou a título mundial, a realidade é que é quase exclusivamente usada a título pessoal. Isto faz-se por medições per capita ridículas, já que a poluição equivalente em carbono de um estado-nação não pode simplesmente ser dividido pela sua população para resultar nos gastos pessoais em geral. Seja nas apps com cálculos suspeitos nos supostos relógios e telemóveis inteligentes, ou numa folha de cálculo Excel. Isto, porque, ignora o impacto muito mais substancial das indústrias.
Quando temos em conta que uma das principais promotoras da popularização da PC foi a British Petroleum (sim, essa BP), a intencionalidade deste individualismo torna-se muito óbvia. Claro que a BP quer passar as culpas da sua própria indústria para as pessoas, é o tradicional vício neo-liberal da socialização do problema gerado pelo lucro e benefício privado!
A pegada é uma excelente táctica propagandística de culpabilização: "consumam coisas mais verdes e menos dispendiosas, que o aquecimento global resolve-se". Distraído com este teatro os incautos que ao fazê-lo deixam intacto o sistema e as indústrias que são a verdadeira fonte do problema, enquanto simultaneamente espremem lucro dos produtos (muitas vezes tão poluentes ou com práticas laborais aberrantes) que vendem na falsa alternativa (farsa também serviria).
O símbolo da pegada é curioso, porque denota uma destruição individualista inevitável provocada por todos, quando nenhuma destas duas premissas é verdadeira. A poluição não é inevitável, não é provocada por todos (especialmente pelos cidadãos dos terceiro mundo que topicamente mais sofrem as suas consequências) e a representação de uma patada que destrói florestas é obscenamente falsa.
O equivalente de CO2 é uma medida anti-cientifica e aberta a abusos metodológicos e propagandísticos. Porque há muita poluição que se faz além de libertação de CO2, muito mais danosa, e que qualquer equivalência é sumariamente ridícula: seja extinção de espécies, destruição de habitats, genocídios, escravatura, resíduos tóxicos ou nucleares, só para citar alguns.
O problema das alterações climáticas são um problema do capitalismo, do seu sector industrial (então o sector militar... upa, upa!), das suas desigualdades de classe (cada rico poluí por centenas de trabalhadores, e estes poluem por comprarem o que o rico lhes quer vender), ao qual tanto o capital (seja qual a sua cor) não tem resposta no liberalismo. Ter resposta tem, mas é num obscurantismo fascista genocida, que irá realmente abrir as portas para uma verdadeira idade das trevas no seu desespero para manter a exploração de recursos cada vez mais escassos. A escolha é nossa de abrir os olhos e não permitir tamanha tragédia.
Num mundo em que a (recém chegada) cadeia de hipermercados Mercadona é aplaudida por dar salários de 1000 €, que afinal são 866 € mensais, porque pagam "em duodécimos", a corrida ao esgoto salarial teve agora a entrada da Sonae com um prémio natalício de 500 €. Nada mau, à partida, pensa o comum mortal, pena que não seja dinheiro mas mero crédito na loja onde são escravizados.
Em relação a isto ouve-se como a maior defesa que os "500 € assim são sem impostos". Ora bem, então expliquem-nos lá onde anda a tão amada eficiência privada que não foi capaz de fazer uma coisa tão básica como arranjar um contabilista para desencantar o valor do bónus bruto que resultaria em 500 € líquidos? Muito elusiva esta eficiência sempre que é para dar uma migalha ao trabalhador.
No meio disto falamos da cadeia que não sabe o que são lucros excessivos, o que admitidamente faz sentido no capitalismo desenfreado, e ainda assim justifica não pagar mas meramente dar créditos aos seus trabalhadores. O problema aqui é muito similar ao pagamento de subsídios de alimentação em cartão, mas ainda mais exacerbado:
Noto que este tipo de prática é ilegal em certos países, e por boa razão, mas tenho de sublinhar que isto recai num circo muito similar aos 125 € do "Costa-bónus" que recebemos em outubro/novembro. Esse dinheiro em vez de servir para dar poder de compra a seja quem for, ou sequer servir de penso à inflação, é re-injectado em quem tem proveito dela. Os 125 € ainda a serem mais perversos, porque era dinheiro do estado, mas pelo menos esses podiam ser gastos em qualquer lado, ou para os mais felizardos, potencialmente nem o gastar: se bem que ainda estou para ver alguém a quem esta ilusão se aplique, já a ilusão dos 500 € em cartão irá estalar que nem verniz em janeiro quando os salários não actualizarem com a inflação, e houver cortes salariais generalizados.
Na sociedade neo-liberalizada observamos que a tendência individualista se estende também ao transporte, com a substituição dos transportes públicos/colectivos por carros particulares. Isto chega ao ponto em que os carros substituem os comboios ao ponto das filas de carros bloqueados em trânsito ultrapassam largamente o volume de comboios, mas com uma eficiência muito menor em praticamente tudo, seja em capacidade de transporte como em velocidade de horários.
À medida que a concentração de carros aumenta - algo geralmente contabilizado em carros por mil habitantes, mas que é crítico independentemente da população porque as cidades não criam mais espaço com mais habitantes, pelo contrário! - maior é o entupimento que observamos diariamente. Isto nunca é resolvido pelas medidas típicas de se aumentarem o número de faixas numa estrada, pela simples razão que o problema físico que temos em mãos não é (em geral) da capacidade de fluxo, mas sim do seu escoamento. Ou seja, o problema está na capacidade das cidades absorverem os carros que recebem diariamente: local para estacionar as viaturas. Algo que não é resolvido pelo aumento de vias alcatroadas em auto-estradas ou nacionais, pelo contrário, visto que a partir das 4 faixas de rodagem, aumentam substancialmente a complexidade da deslocação, algo que dificulta a vida a todos os que têm de participar neste ritual cada vez mais insano.
Se há um tema de eleição na esquerda é a rodovia, e não é por má razão. O fascismo tem a fama de ter os comboios a horas, mas é a esquerda que largamente expande a qualidade e a rede deste tipo de infra-estruturas. Obviamente que não falo da facção de esquerda do bi-partido que é permitida governar nos regimes neo-liberais. Por exemplo, podemos ver a recente expansão da ferrovia na China, que tem sido largamente exemplar não só na execução de uma linha de excelente qualidade, como a extensão da área abrangida.
Se é verdade que a rodovia, quando oferece um serviço universal e gratuito a todos os membros de uma sociedade, é um meio de transporte excelente e que pode, e deve, alastrar a todas as grandes cidades, e por isso servir como a espinha dorsal do transporte e abastecimento de qualquer estado-social funcional. Por outro, está largamente desligado da realidade social corrente, a maioria das pessoas que usam transporte público não recorre ao comboio, mas sim ao autocarro. Logo, quando se apela tanto à ferrovia, não há apoio popular, dado que se trata de uma medida que serve muitos poucos, e tendencialmente cada vez menos, dado que o custo de viagem é também substancialmente maior ao que é fornecido pela sua grande alternativa, e com muito menos opções e cobertura. Em parte por causa da degradação da ferrovia no regime vigente.
Isto significa que o primeiro passo, especialmente num país como Portugal, é que deve-se concentrar primeiro na expansão da rede existente de autocarros. Criar entidades públicas que realizem esse serviço. E claro, melhorar a qualidade desse serviço, não só para quem o usa, como para quem trabalha para ele. Além de que, à medida que os carros se irão tornar cada vez mais proibitivamente caros para a maioria da população, a oferta de passes é um excelente incentivo à sua utilização.
Ler A equação pública vs. privados.
Enquanto um passe de autocarro, mesmo sem ser grátis, apresenta um custo relativamente fixo (menos em eras de inflação descontrolada e de constantes crises e reconfiguração capitalista), esse custo tem a vantagem de ser um custo único. Custos de combustível, reparações, coimas, &c. nunca são responsabilidade do utente, mas sim de quem detém os meios de transporte. Seja para isso o estado ou uma instituição privada. Esta simplificação de custos é um alívio brutal na vida das pessoas.
Além disso a utilização do autocarro requer principalmente elementos de socialização mínimas para quem o usa, é mais inclusivo, e permite fazer uma viagem sem ser necessário estar permanentemente atento à viagem ou preocupado com todos os detalhes dessa viagem e afins. Isto permite fazer uso da viagem para fins recreativos, não no melhor ambiente, admitidamente, mas em condições largamente superiores a um carro. E isto, sem incorrer às responsabilidades todas. Aqui devemos incluir também que o risco de acidente é substancialmente inferior a um carro, por várias razões, desde da experiência de alguém que conduz profissionalmente, como o simples facto de um autocarro reduzir a necessidade de vários carros na estrada, ou ainda melhor, o próprio veículo ao ser bem maior, e ter uma massa muito superior, por si mesmo assegurar a segurança dos seus passageiros na maioria dos cenários de acidente, de forma inerentemente superior a um carro particular.
A isto temos de atender que Portugal, e também Espanha, têm das mais completas redes de auto-estradas e estradas do mundo. Podemos dizer que não são as melhores, ou as mais bem estimadas, mas elas estão cá. E praticamente com zero investimento é possível utilizar estes meios de transporte só com a instauração de entidades para o efeito, e a compra de auto-carros, que é um investimento largamente irrisório e com efeito praticamente imediato face à ferrovia.
Ao contrário da ideia ianque que nos venderam com os carros como um símbolo de liberdade, o carro é tudo menos isso: incorre em custos de seguros, impostos anuais, problemas a estacionar, preocupações constantes com alguém lhe bater ou riscar, roubos, gastos de combustíveis, &c. Mas pior, a experiência em si, deteriora-se à medida que temos mais carros na estrada: o tempo de uma viagem, inerentemente aumenta. Isto deve-se ao facto de ao termos mais pessoas a conduzir, temos de lidar com as suas opções de destino pessoais, e estes muitas vezes induzem atrasos para os que "vêm atrás" na estrada. Cada saída da estrada sem prioridade, cada condutor com mais tempo que os outros (condutores de domingo), cada condutor perigoso, cada risco de acidente, cada distraído, cada embriagado é um potencial atraso ou caso fatal. Na realidade conduzimos presos num rebanho, e não numa demanda de liberdade, onde os riscos são substancialmente maiores que quaisquer benefícios reiais da experiência.
Zangamos-nos pateticamente e inutilmente uns com os outros, porque há sempre alguém a incomodar, enquanto simultaneamente metemos nojo a outros por um divertimento sádico igualmente patético. E nada melhora, porque não é possível melhorar a experiência, não importa quantas rotundas sem Estalines temos por esse país fora, nem quantos jardins ou baldios convertemos em alcatrão. O problema - opinião deverás pouco popular - é que o carro é uma absoluta merda de transporte.
A relação do lucro com os custos de correr um serviço parecem ser um tema absolutamente tabu que ninguém se atreve a mencionar nos meios de comunicação. A razão é muito simples, porque ela, por si mesma demonstra que a introdução ao incentivo ao lucro faz com que os serviços sejam mais caros do que seriam quando estes operam na esfera pública (seja do estado ou por cooperativas). Para vermos uma exemplificação disto, em termos simples, temos de ter as seguintes duas categorias de capital:
Digamos que só temos estes dois capitais a operar (estamos a simplificar, mas não é a simplificação mais grosseira do universo). Na realidade, para o processo se iniciar é necessário um capital inicial, ou seja, o investimento usado para arrancar o serviço e comprar o capital fixo. Isto normalmente é feito com recurso a dívida, que na prática implica que os custos do capital inicial são distribuídos pelo tempo com um custo de juro. A principal nota a tirar daqui aqui é, que ao ser um investimento público (geralmente feito directamente pelo estado), essa dívida pode ser distribuída por vários orçamentos de estado e não é necessário haver retorno no capital investido, porque o custo é socializado.
Logo, temos que o custo total de um serviço público (€Pub) pode ser descrito da seguinte forma:
€Pub = F + V
Um conceito altamente tóxico introduzido pelo neo-liberalismo é o utilizador-pagador. Neste caso, cada vez que alguém usa um serviço público, deve idealmente pagar um valor fixo por essa utilização. Isto sabota inerentemente a socialização do custo total, e individualiza-o. O problema inerente a isto, é que o custo individualizado numa sociedade com desigualdades socio-económicas, é que o custo pesa substancialmente mais na classe trabalhadora. Isto apesar de ser a classe capitalista que por deter os meios de produção, utiliza passivamente mais as infra-estruturas e serviços sociais (indirectamente, pelos seus trabalhadores), do que o trabalhador individual. O que justifica que acarretem proporcionalmente mais dos seus custos.
Traduzindo isto, significa que por utilização temos dois factores:
Isto significa imediatamente duas coisas:
Num sistema totalmente individualizado, o custo de utilização incorre que é maior para quem mais precisa de um serviço, por exemplo, cuidados de saúde, e esse custo é também maior para essa pessoa. Basicamente é um castigo pela sua condição, independentemente de ter culpa na matéria ou não.
Então o que acontece quando para prestar um serviço, se requer a participação de uma entidade privada que visa o lucro como a sua finalidade, já que ela tem que pagar salários de quadros que não têm funções laborais por defeito? A equação acresce na seguinte ordem, em função do custo total do serviço privado (€Prv) de onde temos o lucro (L) retirado da mais-valia extraída do trabalho:
€Prv = F + V + LPrv
Contudo, é perfeitamente possível que um serviço público tenha lucro, tanto é que os CTT em Portugal foram um exemplo disso, bem como a TAP, durante muito do seu tempo de existência, apesar dos meios de comunicação fazerem crer que a realidade é outra. Ou seja, é possível termos também
€Pub = F + V + LPub
Então porque é que considero, e demarco, LPub como sendo diferente de LPriv?
Por uma razão muito simples, o LPrv não é redistribuído pela sociedade, mas sim é distribuído pelos salários das camadas não-produtivas (não-laborais) da entidade, seja para o CEO e todos seus afins, e boa parte da classe gestora que faz a burocracia da instituição. Relembro que o lucro é o excedente que se obtém além dos custos de operação necessários para o serviço continuar a correr, ou seja não voltam a ser investidos em F ou em V, poderiam teoricamente ser, e isto daria origem à acumulação de capital. Contudo, no capitalismo monopolista, as entidades privadas só investem parcialmente, com o estado a comparticipar esse investimento, ou a dar descontos de impostos e outras benesses para tal ser "vantajoso". E isto é tanto mais verdade, para serviços públicos que foram privatizados.
Isto contrasta com LPub, que ao existir pode ser redistribuído socialmente, tanto em sede de acerto de contas de um orçamento da empresa, seja para pagamento de dívida, reinvestimento directo (expansão ou melhoria), ou colmatar custos de outro serviço. Os salários das camadas altas e burocráticas do estado, ao contrário dos privados, como têm salários tabelados (e só não têm quando as entidades são neo-liberalizadas, e ditas para funcionar "como empresas"), e por isso não metem ao bolso o LPub.
Disto advém uma coisa inescapável, que para o mesmo serviço, o custo de um serviço público é sempre inferior a um privado, ou seja:
€Pub < €Priv
Então como é possível existirem tantos estudos por estados, por think tanks e por ONGs que dizem que há PPP e privados que fazem preços mais baixos que o sector público? A mitologia da ideologia capitalista diz-nos que é por causa da eficiência dos privados, seja lá o que isso significa, pelo menos, além da opressão obscena de quem trabalha. Na realidade, é fisicamente impossível oferecer o mesmo serviço a um preço inferior sem que para tal se faça uma de três coisas:
E estes pontos têm sido o modus operandi de todas as concessões e todas as PPP que existem. Claro que à medida que o lucro aumenta, e ele tem que aumentar proporcionalmente todos os anos não vá a empresa desagradar a quem investe nela, esse mesmo lucro permite corromper as estruturas que contrataram as empresas, criando um ciclo vicioso que incentiva e degrada os serviços.
À medida que o inverno se aproxima, como uma profecia ignorada d'uma guerra dos cornos, parece que só os ucranianos estão cientes da situação em que nos encontramos. Enquanto o resto da Europa dorme sediada numa falsa segurança imperial, o povo do estado mais pobre da UE acautela-se com o pouco que tem para fazer frente a um inverno agreste.
Este novembro tivemos um bonito presente envenenado divino, onde a chuva intensa fez estragos, mas aliviou imenso a descida de temperaturas, que só agora começa a mostrar o seu peso nos termómetros.
Enquanto isto, podemos assistir à defesa cultural esse grande pilar oco do populismo da direita, com Viktor Orbán a ser o maior exemplar. Anunciando o fecho de locais culturais por causa dos custos invernais.
Isto é ainda mais curioso quando Orbán é um infame putinista, ou melhor, um apreciador refinado de Putin. Tendo feito inúmeras aproximações recentes, quase sempre comunicadas até nós no sentido de que isto compensaria-lhe nesta situação.
Observamos uma situação em que a Hungria, supostamente teria mais e melhor acesso ao precioso gás russo, mas... Deverás um "mas" curioso. Isto só pode significar uma de três coisas:
Parece-me que os dois primeiros pontos podem ser rejeitados porque: primeiro, Orbán é próximo de Putin, e permite e usa capital russo em benefício próprio e de quem representa. Segundo, mesmo a alimentar a China e países circundantes, a Rússia tem infra-estrutura e gás mais que suficiente para também fornecer a pequena Hungria.
Em termos de oportunismo, a tese parece elementar: é a mesma conversa da dívida em Portugal, há que cortar para conter despesa. A despesa é contida por isto? Nunca é. Mas os serviços são prontamente cortados. Neste caso o fecho destas actividades culturais, permite cimentar ainda mais o controlo do capital burguês sobre as massas.
Isto faz-se de várias formas, desde da selecção dos meios de entretenimento estrangeiros que são disseminados pelos meios de comunicação privados, à censura passiva de eventos culturais que não partam directamente dos privados. Por exemplo, o cancelamento de entretenimento dos teatros locais a serem progressivamente substituídos por eventos pós-laborais sociais no local de trabalho, onde a alçada do patronato é forte e escolhe o ambiente e o que é apresentado.
Dennis Hastert foi presidente da câmara dos representantes dos EUA, e é famoso por ter seguido a política do seu antecessor Newt Gingrich da "maioria da maioria", agora também referida por "regra de Hastert". Basicamente, no regime bi-cameral e bi-partidário ianque, se nesta câmara inferior qualquer legislação que não tivesse, pelo menos, metade dos republicanos a apoiá-la, ela nem chegaria a votos. A maioria da maioria.
Digo republicanos, porque os democratas, a suposta ala esquerda do bi-partido, nunca a seguiram. Foi uma regra republicana, arbitrária, sem aplicação legal e com inúmeras excepções ao cargo de cada presidente da câmara republicano. Neste caso, trata-se de uma subversão da democracia, a esta ter que passar primeiro pelo filtro da maioria dos representantes do maior partido.
Isto entra em choque com inúmeros princípios democráticos, e por exemplo, chega ao ridículo de que quando é violada a regra, as leis terem sido passadas com percentagens tão pequenas da maioria como 25 %, ou ainda menos (desde que o partido democrata votasse próximo da unanimidade a favor). Isto é justificado pelos presidentes de câmara republicanos como a forma a que detêm controlo das mesmas (lá se vai o verniz do povo ser soberano), ou seja, assegurando que praticamente só o que simultaneamente popular e da sua facção vai a votos.
Obviamente que esta regra tem excepções. O sistema ianque tem sempre o luxo da excepção, isto ilustra basicamente dois fenómenos do seu bi-partido: apesar da predilecção republicana por parte do capital, estes às vezes querem apresentar-se como rígidos ao seu eleitorado, e por isso é necessário o voto democrata e incorrer em violação à regra; a outra, e por causa desta primeira, é que as regras para os partidos mais à direita, e proto-fascistas como o GOP, a legislação e as próprias regras internas só tem utilidade em função da oportunidade, e apagam-se de imediato mal seja necessário.
Existem ainda assim notas curiosas a fazerem-se, por exemplo o presidente democrata Tip O'Neill é famoso por ter basicamente dado portas largas aos republicanos, com a lógica que se desse toda a corda que Ronald Reagan quisesse, ele acabaria por se enfocar a si mesmo. Se há um exemplo patético de um desvio de direita, de um partido de centro-direita, não conheço melhor exemplo. Obviamente, Reagan não se enforcou, como as suas políticas neo-liberais definem o mundo até hoje.
Os presidentes de câmara democratas que lhe seguiram, em oposição aos republicanos, tendencialmente nunca seguiram a regra, tentando parecerem-se mais nobres enquanto são comidos de cebolada. Apaziguando e procurando sempre fazer leis com os seus comparsas da facção de direita. Isto é só uma pequena peça daquilo que explica o eterno enviesamento da janela de Overton para a direita, e que a democracia representativa liberal se apresenta completamente incapaz de abrandar. Algo me diz que dada a eficiência e coerência de todas estas posições, isto é tudo menos acidental.
O IVA é o imposto de eleição da União Europeia. Apesar de existirem margens na maioria dos outros impostos, uma coisa é sagranda na UE, que o IVA existe em todos os estados-nações da organização, e supostamente nunca tem um valor geral inferior a 15 % e um valor mínimo de 5 % para bens de considerados essenciais. Claro, que como todas as regras da UE, excepto a submissão ao neo-liberalismo, não estão escritas na pedra, e há estados de primeira e de segunda nestas regras.
À media que o cartel industrial que formou a CEE se transformou numa organização política internacional mais complexa, e eventualmente cimentou na UE que conhecemos hoje, observaram-se três tendências de impostos nos seus estados membros:
Basicamente, com o tempo, o capital passou a pagar cada vez menos sobre os seus lucros, e passá-los para o inescapável IVA, que é pago por todos. Mas que devido à sua natureza regressiva incide mais fortemente sobre os rendimentos de quem é mais pobre.
A criação de estados-nações que têm dentro de si legislação que os torna paraísos fiscais para o grande capital, como o exemplo, da Irlanda para atraír multinacionais como a Google ou a Microsoft, origina uma competição a esta atracção. Como previamente estes congolmerados capitalistas não existiam como parte das receitas de um dado estado, mesmo taxados a valores irrisórios como 5 % (na realidade a Google paga bem menos ao estado irlandês), a sua presença traduz-se num cheque anual na ordem de algumas centenas de milhões de euros.
Se esse valor é irrisório para a entidade capitalista que a paga, e incentiva-a a fazer pressão sobre os estados a reduzirem-lhe ainda mais essa taxa por via da corrupção, por outro para um estado é uma oportunidade de fazer dinheiro fácil. Isto é, até existir competição entre estados nesta corrida, que é exactamente aquilo a que as regras monetárias e financeiras da UE, incentivam. Uma corrida para a assimptota do zero no IRC. Eventualmente reduzindo o tal cheque anual a uma insignificância, onde todos ficam a perder, excepto as Googles.
Além disso, à medida que os conglomerados capturam todas as restantes empresas que lhes fazem competição ou que passam a ter "utilidade" no seu leque de subsidiárias, cada se torna mais difícil não ter as empresas que detêm lucro fora da sua esfera. O que por consequência leva a que o IRC geral, fora dos estatutos especiais destas empresas, se torne uma barreira à competição capitalista. Na realidade não é o IRC o problema, mas sim, a incapacidade de se poder competir no mercado capitalista quando este está num estágio de tal forma monopolista que meia dúzia de empresas ou detêm tudo, ou sub-contratam praticamente tudo. Onde ocorre uma privatização e aglomeração praticamente total da economia na sua esfera.
No que toca aos salários individuais no IRS e impostos equivalentes, à medida que os escalões mais elevados são reduzidos para valores abaixo dos 50 %, existe também uma tendência em acentuar o seu impacto e taxa nos escalões inferiores. Basicamente ao reduzir-se a inclinação no topo, o imposto tende a nivelar-se e a subir na base.
Isto quando se associa à geral incompreensão do funcionamento do IRS num estado-nação como Portugal, conduz à perpetuação do eterno mito do pequeno-patrão que diz conta que o seu empregado preferiu não ter um aumento, por perder rendimento por causa do IRS. As tabelas de retenção não são o valor real taxado do IRS, mas sim o seu tecto máximo. E o IRS real tem de ser calculado caso a caso, para praticamente todos os cidadãos que o paguem. Quem tiver gastos e pedir facturas, recebe uma devolução no ano seguinte depois do mês de abril, efectivamente reduzindo uma taxa de retenção na fonte de 12 %, para valores de 10 ou 8 %, dependendo dos gastos.
Isto não significa que não existem injustiças na aplicação corrente do modelo. Porque é perfeitamente possível um trabalhador não pertencer à classe média (classe de gestores e associados) e receber um salário na ordem dos 2 000€, e aí terá retenção na ordem dos 20 %. Se receber o dobro, o que é genuinamente raro para quem faz trabalho pelas próprias mãos, mas não impossível, chegará quase aos 30 %. Para pagar 40 % terá que estar na casa dos 20 mil euros, e o tecto máximo encontra-se nos 43,8 %. Obviamente este modelo não é justo, e pesa na mente e consciência de quem trabalha. Ainda assim, devido à sua progressividade (já subvertida, mas ainda presente) é relativamente justo. Não tanto como o IMI, mas é melhor que o IVA.
Diz-se que o IVA é um imposto regressivo porque na sua essência todos pagarmos uma igual percentagem sobre um bem é algo fundamentalmente preverso e injusto, face à disparidade de rendimentos. Isto inclui, todos, inclusive quem não tem rendimentos ou quem depende de assistência do estado social para sobreviver.
Mas não há nada como demonstrá-lo com contas, digamos que:
Estes 4,60 € são muito diferentes se tivermos em conta rendimentos diferentes, por exemplo para o salário mínimo nacional:
Comparemos com alguém que ganha o dobro desse salário com o valor máximo de retenção na fonte, assumindo que a taxa não é ajustada ao fim do ano:
Trata-se de uma redução, para quase metade do impacto do IVA, mas vamos a mais um exemplo, alguém que ganhe 10x o salário mínimo:
Em suma, quanto menos se ganhar maior é o impacto do IVA. Obviamente para uma única compra estes valores aparentam ser irrisórios, mas o IVA, mesmo na sua taxa reduzida, é cobrado em todas as compras de todo o consumo. E dado que uma pessoa mais pobre tende a gastar mais proporção do seu rendimento em consumo, porque não têm como investí-lo, a proporção que o IVA come sobre os rendimentos mais baixos é ainda mais significativo.
Além disso, a redução do IVA, trás casos em que ele é reduzido, mas os preços finais continuam iguais. Como foi o caso da redução do IVA da restauração para os 13 %. Isto porque, do ponto de vista de um capitalista racional, não faz sentido reduzir a conta, face a meter essa diferença ao bolso. O cliente já está habituado a pagar, e a transformação mais chata do circuito do capitalismo (a venda) está garantida, porquê perder esse valor? Seria possível um estado acautelar estes casos, mas o capital político necessário para tal numa democracia liberal parece ser algo incomensurável.
Se existe um imposto obsceno e indigno de ser cobrado é o IVA. Que é simultaneamente o garante dos estados neo-liberalizados da UE, como o seu imposto obrigatório. A importância do IVA é tal que em Espanha representa 85 % da receita do estado com impostos!
Um imposto feito sobre o consumo, o suposto imperativo da sociedade capitalista, pelo menos para as massas, em contraste com o lucro sagrado dasentidades privadas é um fantástico esquema. A obrigatoridade torna ilegal eliminar o IVA a título permanente na UE. A realidade é que a eliminação do IVA é uma necessidade para se forçar o reajuste dos outros impostos, estes sendo mais justos e redistributivos da riqueza gerada na sociedade. Dada esta imposição europeia, não é possível eliminá-lo de forma democrática. Porque as democracias europeias estão perpetuamente amordaçadas às decisões anti-democráticas do Eurogrupo. Contudo justifica-se a existência do IVA em argumentos ocos sobre competitividade entre estados. A mesma competitividade que não se importa de por a competir estados-nações da periferia, alguns que nunca tiveram revoluções industriais, com estados-nações como a Alemanha.
Desde da invasão da Ucrânia pela Federação Russa que seria de esperar que o sector energético iria abusar da situação em benifício próprio. Exacerbado pela União Europeia rapidamente a descascar todo o seu verniz verde, e exibindo a sua absoluta dependência energética no gás russo, enquanto vemos ao longe notícias sobre lucros obscenos do grande capital.
No meio disto tudo começa a ouvir-se dos corredores da UE, e daí para os meios de comunicação, a criação de impostos sobre lucros excessivos ou windfall taxes. Algo de facto estranho, dado que a ideologia e política oficial do regime capitalista é que crescimento económico é sempre bom. Pelos vistos, há receio que as massas comessem a ter ideias diferentes. Especialmente aquelas que se arriscam a sobreviver o congelamento deste inverno.
A dependência na Rússia como fornecedor natural da União Europeia assenta essencialmente na ausência crónica de infra-estrutura para o abastecimento dos consumos europeus. Quando a Alemanha decidiu criar pressão para explorar no curto-prazo os descobertos poços de petróleo em Khrakiv, fê-lo com o intúito de reduzir a dependência do gás russo, mas com a hipocrisia de continuar com acesso a ele. O objectivo era simples: baixar os seus custos e, eventualmente usar a França e as suas pseudo-colónias africanas para eventualmente passarem a ser o principal fornecedor europeu. Isto é uma das razões para a origem da guerra aberta na Ucrânia.
Mesmo com os EUA a venderem o seu excedente de gás à UE por via marítima, isso não é suficiente para sustentar os consumos europeus. Todo o pânico generalizado quanto à "Rússia fechar o gás", tem justificação, porque na ausência desse gás, o racionamento de gás será feito em duas vias:
Dadas estas condições, é óbvio que ao descendear-se uma crise inflacionária, não existe qualquer motivo para qualquer capitalista ainda em negócio para não exacerbar a situação. Cobrando preços acima dos preços inflacionados que paga. E entre os reis desta prática, que depois culpam o preço dos combustíveis, estão as grandes cadeias de supermercados e respectivos conglomerados associados.
Quando a Sonae diz que não reconhece o conceito de lucro excessivo, tem toda a razão. Para um capitalista lucro é bom. Ganância é a justificação de tudo. Como é possível que "fazer dinheiro", literalmente a função da Sonae possa ser algo mau? Não pode. Muito menos alguma vez uma empresa destas poderia ser remotamente apanhada a dizer outra coisa.
A questão que se coloca não é a taxação destes lucros. Acho muito bem que se taxem. Tanto acho que se se taxam muito pouco os lucros, face, por exemplo, aos rendimentos do trabalho e ao consumo que este faz. O verdadeiro crime desta ideia é a tardeza e incapacidade de se fazer algo retroactivamente, porque nada indica que quando finalmente aplicado o tal windfall tax ainda justifique a sua existência.
Além disso, esta taxação resultará em quê em concrecto? Será reaplicado em medidas distributivas que têm real impacto? Ou será outra meia-medida, que resultará numa acentuação da inflação enquanto os capitalistas tentam castigar o estado, através do povo, enquanto amassa lucros e vai pagando taxinhas? Porque qualquer medida realmente estrutural, seria digna de realmente requilibrar a dinâmica enviesada contra os trabalhadores, como por exemplo assegurar um investimento digno e lógico no SNS. Contudo tudo indica que isto será usado para dar margem na mitigação de défices enquanto se baixarão outros impostos sobre o capital pela calada.
Na ausência de controlos de preços, a inflação não irá parar. Poderá sofrer abrandamentos, mas continuará a existir em peso. Tanto que para compensar os efeitos das inflações nos dois digitos, não basta um abrandamento para compensar o roubo salarial, teríamos de observar reduções de preços dignos de descontos durante meses. Obviamente que numa crise inflacionária o seu efeito é mais sentido, porque inicia-se uma corrida ao lucro fácil.
A equação que explica este mecanismo é muito simples. De uma forma geral se a inflação média se encontra, por exemplo, nos 10 %, basta para o capitalista que define os seus preços, aumentá-los acima desse valor, por exemplo 12 %. Isso significa que basicamente acabou de meter esses 2 % ao bolso. Isto sem produzir qualquer mais valia, ou geração de riqueza, simplesmente por um mecanismo de roubo ao cliente. A generalização social deste fenómeno é o que está a criar a inflação corrente.
Dado que a inflação média é diferente da inflação de cada sector ou a inflação particular, observa-se variações de preço em função de cada caso e sector. Se os preços da matéria-prima para o capitalista A aumentaram 2 %, e ele aumenta os preços para 3 %, o capitalista B que lhe compra a matéria-prima agora acrescida a 3 %, venderá a sua por um aumento na mesma ordem. Mesmo na ausência de ganância de um capitalista ou outro no meio desta corrente, basta um para aumentar os custos sucessivos de todos os outros. Obviamente, na situação em que nos encontramos não está a ser só um elo na cadeia a abusar.
Um dos truques do sistema capitalista para iludir os trabalhadores e os nossos salários estanques durante os últimos 40 anos foi a inflação geralmente baixa. Isto aliado a bens electrónicos baratos e produzidos na China, permitiu obfuscar o roubo que foi feito a cada hora de trabalho com o aumento desenfreado da produtividade sob modelos de gestão mais opressivos. Contudo o castelo de cartas desaba sobre a ganância generalizada, e necessária do capitalismo: na ausência de crescimento cada vez maior, a empresa está a falhar. Ignoremos o irracional e impossibilidade desta lógica, especialmente se as massas de consumidores capitalistas, tem cada vez menos recursos para o tal consumismo, devorados por constantes novos serviços em formas de rendas.
A derradeira consequência para nós todos é que o valor numerário dos nossos salários permanece largamente intacto, enquanto que perdemos poder de compra, ou seja, estamos a ser roubados. Recebemos efectivamente menos a cada dia que passa. E atirar um cheque anual aos trabalhadores, ou um mensal ou qualquer medida frouxa desse género não resolve o problema, por uma razão muito simples: o valor monetário do cheque vai direito para o bolso dos mesmos capitalistas que aumentam os nossos preços, sejam senhorios ou os donos dos conglomerados que enchem os inescpáveis supermercados.
Em plena crise habitacional observamos o ministro das infraestruturas dizer, infamemente, que não há uma bala de prata para resolver esta situação. Isto, no mesmo estado-nação que aparenta ter mais de 700 mil casas desocupadas. Há uma solução óbvia, mas para tal era preciso um governo capaz de testar os limites da obscenidade da propriedade privada.
Há muita tinta para escorrer nisto, a começar pelo facto da habitação não ser realmente algo que está sob a alçada deste ministério. Pedro Nuno Santos podia ter evitado este episódio, mas não o fez. E se está supostamente no dominio só em nome do ministério, e até num papel algures, mas não na realidade. Em parte, porque a obrigação constitucional do estado foi deturpada desde da versão original de 1976, e então subvertida à inutilidade.
A constituição da república corrente afirma que há um "direito à habitação". Direito esse que está subvertido às capacidades do estado social neo-liberalizado e ao mercado da habitação. Ou seja, não é direito algum. A prova são os cerca de seis mil sem abrigos reconhecidos nas estimativas repetidas pelos meios de comunicação.
É um "direito" de quem pode pagar. Se formos honestos é um privilégio destes, que ainda muitos, mas em número decrescente dada a ganância dos senhorios e dos bancos. E quem pensa que o seu direito é garantido, só porque tem casa, e faz disso garante como sua propriedade privada, a questão que se remete é por quanto tempo o comum mortal irá suportar o aumento dos custos de vida, sem ter de recorrer a dívidas, hipotecas ou incumprimento de prestações à banca. Tudo mecanismos que têm a capacidade de despejar supostos proprietários do seu "direito".
A minima pressão sobre o mercado, como um patético travão ao aumento das rendas, por ausência de protecção aos inquilindos aparenta ter levado centenas de famílias ao despejo. Estamos a falar de pessoas, as mesmas que efectivamente moram, e usam as habitações. Que são na maioria das vezes, dada a completa inutilidade que é o típico parasítico senhorio português, o verdadeiro proprietário em tudo menos no papel. E pelos vistos, o papel é o rei do irracional.
Senhorios justificam aumentos das rendas sobre habitações que detêm, sem necessidade, já que não as usam eles mesmos, porque sofreram aumentos nas suas prestações dos empréstimos à banca. Por pontos: primeiro contraíram dívida para adquirir um activo que, para todos os efeitos, tem zero risco; segundo que não necessitam daquilo que adquiriram, senão estariam a usá-lo directamente; terceiro transferem o seu aumento de custo, da sua dívida a quem tem menos possibilidades. Um fantástico esquema.
Isto permite a um senhorio comprar uma casa sem ter custos. Dado que esses custos provém do rendimento de uma família mais pobre, que trabalha para o senhorio, ao qual não só rouba o rendimento, como a possibilidade de desfrutarem da sua vida. À medida que as rendas consomem percentualmente maior parte do salário, menos desse salário pode ser gasto noutros supostos "direitos" como a alimentação, cultura e lazer.
Isto para não falar na incessante conversão de casas e apartamentos em Airbnbs e alojamentos locais. Que soterram por baixo do seu peso qualquer utilidade que um acréscimo da oferta em mercado possa ter. Soluções de mercado, de facto não existem, mas isso é admitir uma de duas coisas negras:
Relembro que uma casa, virtualmente não tem risco. Nem a justificação patética do patronato em ter um salário porque meteu o capital inicial e "arriscou muito" aqui existe. Não há risco. Só há indivíduos que por terem papás mais ricos que os outros, conseguem contraír dívida num banco, e lixar a vida dos outros. A expropriação e ocupação orgânica das casas desabitadas não é só uma solução completamente lógica, é também um dever social de gestão de recursos, respeito ambiental e capaz de criar imenso emprego.
O ministério da cultura orgulhasamente acabou de reportar negociata do investimento de 24,5 milhões de euros. Um valor que à partida seria fantástico, para este nem-sempre existente ministério, que geralmente existe a pão e água. Contudo, o que realmente aconteceu foi uma obra financiada pelo grupo Visabeira, que passou a ter um hotel no Mosteiro de Alcobaça.
O grupo Visabeira é um conglomerado detentor de entidades em várias áreas. Deteve uma participação minoritária na Portugal Telecom, e ainda hoje detém meios de comunicação em Angola e Moçambique. Entre as áreas de participação deste conglomerado, é o turismo, aquele mais relevante ao tema, e que decide representar com a seguinte imagem no seu site oficial.
Muito nos dizem do fantástico trabalho das parcerias estatais com os grupos do maior sector económico português: o turismo. Pelos vistos, o plano além de transformar Portugal de norte a sul numa patética colónia de férias para os ricos do centro europeu, passa também por prostituir todos os edifícios, centros de cidades, e outros locais históricos ao turismo. Tudo com fantásticas fachadas de hóteis e cinco estrelas com arquitectos de renome. Este novo hotem de "cinco estrelas" vem com a assinatura de Souto Moura com o adorável título de "Montebelo Mosteiro de Alcobaça Historic Hotel".
A usurpação cultural para o turismo é uma obra de longa data em Portugal. E não é feito só pelo ministério da cultura, tanto que o ministério da educação teve grande impacto na criação de uma mão-de-obra capaz de falar a língua universal: o inglês, de forma a todos podermos ser bons hospedeiros dos estrangeiros que para cá vêm dar uns trocos à meia-duzia de conglomerados do turismo, enquanto nós perdemos acesso à habitação, às nossas cidades, e agora até aos nossos edifícios históricos.
Com o arranque do campeonato mundial da FIFA no Catar, finalmente se ouvem vozes de protesto e boicote ao crime humanitário que se cometeu na construção dos estádios. Ouvem-se da forma mais corporativa, patética e apática possível: com os fãs a verem os jogos, a comprarem bilhetes, e a limitarem-se a fazer de conta que querem saber das violações dos direitos humanos.
Basicamente, o que ouvimos há dias da boca de Marcelo Rebelo de Sousa é palavra de ordem no que toca a este ponto: hipocrisia - real absoluta hipocrisia.
A Amnistia Internacional mencionada acima, chegou a reportar números obscenos de mortos. Números que estão em absoluto limbo interrogativo, já que determinar a veracidade desses alegados números é basicamente impossível sem o estado do Catar, a FIFA e as empresas associadas fornecerem directamente a informação. Algo que não farão.
Independentemente do número, isto não é uma questão de mortos per se. É uma questão de crimes laborais acima de tudo. Milhares de pessoas foram importadas do terceiro mundo para o Catar, mantidos lá com um sistema de visas especialmente opressivo, com horários e condições obscenas, leia-se feitos em literais escravos. Isto tudo para fazerem um circo para o primeiro mundo se entreter durante uns meses.
É um espectáculo do sofrimento, e cada estádio e instalação no Catar não é mais que a solidificação e cristalização dele. Não é possível criticar, ou sequer incomodar o regime que o fez, bem como a instituição corruptamente podre que é a FIFA a verem-se os jogos. A única forma de cuspir e rejeitar o que foi feito, e tentar evitar que isto se repita no futuro é o absoluto boicote ao evento.