Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Resistência & Insurreição
A 6 de Janeiro de 2021 assistimos a um suposto golpe de estado com a invasão do Capitólio americano por cerca de 800 defensores de Donald Trump. Estaríamos então a assistir a uma tentativa de imposição de um regime fascista nos Estados Unidos da América, ou assim nos querem fazer crer.
Temos de admitir que entre os ditos insurgentes, estavam grupos relativamente organizados da extrema-direita cujo objectivo é, de facto, a instauração de fascismo nos States. E estes tinham um plano, e esse plano era parar a contagem final oficial do colégio eleitoral que estaria a decorrer no Capitólio nesse dia (que continuaria até ao dia seguinte), e forçar a mão do vice-presidente Michael Pence em dar a vitória ao seu presidente.
A legalidade destes objectivos é irrelevante, por duas razões:
E por estas duas razões a dita insurreição não foi um golpe fascista falhado. Foi sim uma palhaçada, com a devida gravidade, mas que foi exagerada e explorada pelo regime em benefício próprio (tal como acontecera previamente com os ataques do 11 de Setembro).
O Capitólio é a sede do poder legislativo ianque. Isso significa, que tomado fora dos dois dias acima mencionados, isso não pararia o aparato do estado americano. Tanto que não o fez. E além disso, o estado federal e estadual americano é tudo menos fácil de parar sem um sério movimento de massas, e que me parece só ser possível após uma guerra civil.
Os grupos que invadiram o local, dos quais 800 indivíduos lá entraram, pertenciam a diferentes facções unidas em torno de uma personalidade. Uma personalidade com ideais ur-fascistas, mas cujos objectivos políticos reiais não são reconhecidos pelos participantes, e que na prática não teria os meios de realizar os sonhos molhados dos manifestantes.
A própria organização dos (e em) grupos díspares era tudo menos sólida. Tanto que a vasta maioria dos 800 que invadiram o Capitólio não sabia realmente o que estava a fazer, ou como conseguir realizar as suas ambições mesmo que soubesse qual era o plano. Simplesmente estarem instigados por Trump, via Twitter (a pior rede social para se dar planos explícitos), não se traduz numa execução com nexo.
O fascismo surge como reacção à organização das massas trabalhadoras, quando estas no meio de uma crise do capitalismo genuinamente ameaçam a existência da hegemonia burguesa de um dado estado-nação. Neste caso, como não existe uma sindicalização geral, ou até um movimento como o Occupy Wall Street, ou a ascensão de Bernie Sanders como vencedor da eleição presidencial, a burguesia americana não tinha razões (ou sequer a percepção de razões) dignas de registo. Logo, as condições da ascenção fascista não se manifestaram.
Nesta ausência de apoio da burguesia a insurreição - que por si só, repito, nunca conseguiria vergar o estado ianque - condenou-a à nascença. Mesmo que esta fosse muito maior e apoiada por um único grupo organizado, por exemplo, pelos militantes do Partido Republicano. A prova da falta de apoio da classe dominante, foi a subsequente e imediata rejeição e retirada do tempo de antena de Trump das redes sociais.
Após a derrota de Bolsonaro no Brasil, muitos apregoaram que algo similar se poderia organizar por lá. A mesma falta de ausência de medo da classe dominante foi observada, e além disso, já o império americano havia avisado que não iria deixar tal evento chegar a bom-porto. Isto é particularmente relevante, já que praticamente todas as contra-revoluções fascistas na américa latina foram, ou provadas directamente pelos ianques, ou então, endossadas por eles.
O que vimos no Brasil foi um exemplo ainda mais patético da palhaçada. Alguns infelizes iludidos decidiram manifestar-se desorganizadamente e sem qualquer resultado além de um vídeo viral de um idiota no pára-brisas de um camião. No fim, Bolsonaro pessoalmente confirma esta tese, baixando a cabeça e admitindo a derrota. Este voltará para as sombras, já que ur-fascismo aparentemente não é crime, e o Brasil aguardará pelo próximo proto-fascista ou pela personificação real do fascismo.